quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A armadura

Quando eu digo que não entende, faz cara de inconformado e retruca dizendo que entende, sim. Eu acho que não, uma vez que nem eu mesma consigo entender direito.

Acontece que desde que me percebo por pessoa, possuo uma armadura. Uma armadura que serve para muitas coisas, mas principalmente para duas razões em especial. A primeira é a de aparência. Reluzente e brilhante, minha Armadura impede que quaisquer indivíduos (bem ou mal intencionados) se achem no direito (ou na possibilidade) de me ferir. Quando a vêem, param, refletem e concluem que, pensando bem, é melhor me deixar em paz. A segunda é de defesa pessoal, mesmo. Serve para que, aqueles que queiram, de fato, me ferir, não o consigam, porque não conseguirão penetrá-la de forma alguma (ou, mais precisamente, pensarão que não a ultrapassaram).

É muito sutil, contudo, a minha Armadura. À primeira vista, ela não existe. E não é para qualquer um que ela vai aparecer. Ah, não. Ela só aparece para o perigo iminente, muito embora, teoricamente, ninguém declaradamente mau tenha tentado me ferir. Teoricamente.

Minha Armadura é guiada pelo que se poderia chamar de Inteligência a princípio, mas que eu talvez devesse nomear de Desconfiança. A Desconfiança é uma coisa engraçada, veja bem, porque, para ela, tudo é inimigo. Ou melhor, tudo é inimigo em potencial.

A Desconfiança é também uma general impiedosa, pouco criteriosa, que toma as rédeas das situações quando elas se apresentem ligeira ou mesmo remotamente perigosas.

Juntas, a Armadura e a Desconfiança fizeram até hoje um excelente trabalho de me proteger. É muito interessante observar como elas não me deixam cair. Temos uma imagem a zelar, compreenda. A imagem é o que mais nos importa, presumo. É o que buscamos meticulosamente, diariamente e incessavelmente.

Eu, protegida pela Armadura e comandada pela Desconfiança, não posso deixar ninguém entrar. Onde fica a minha tão preciosa imagem se for divulgada para o mundo, ou mesmo para você? Não é permitida a entrada de terceiros aqui. Só tem espaço para mim e minha Armadura.

Então quando você tenta abrir um espaço por entre as juntas de metal, a Desconfiança fica extremamente preocupada. "O que é que você quer, afinal? Não está bom olhar pela armadura?" Mas você me responde que não. Sempre responde que não. Só que, assim como você, a Desconfiança é uma adversária difícil. É forte, teve pelo menos vinte anos de preparo para chegar à posição em que chegou. Para construir a Armadura que construiu.

Ou será que foi a Armadura quem construiu a Desconfiança?

Já me perdi na sequência dos acontecimentos. Mas eu sei que se você, por algum descuido nosso, chegar a ultrapassar a Armadura, terá a visão privilegiada e humilhante do meu corpo frágil e poderá, sempre que quiser, me machucar. O problema é que, quando você de fato quiser me machucar, não estará fazendo apenas isso; estará me despedaçando por completo.

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